quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Seu olho pode ver?

Nesta última semana fui surpreendida por um telefonema da coordenação do setor que leciono, informando que em minha nova turma, haverá 04 deficientes visuais. A ligação me deixou muito intrigada. Que desafio vem pela frente! E ao mesmo tempo, que maravilhosa experiência vivenciarei neste período!
O desafio está no fato que sou muito visual. Muito expressiva, me comunico por sinais, olhares... E agora? Estou conversando com algumas pessoas que têm experiência sobre o assunto. Na verdade, não deveria haver um manual para lidar com deficientes... São seres humanos iguais a mim, iguais a qualquer um de nós.
Para me antecipar quanto à forma de proceder com essa turma especial, pesquisei alguns pontos que chamaram atenção. Dentre os tópicos, uns eu não cometeria e outros, confesso, que passariam despercebidos.
É possível que situações constrangedoras aconteçam frequentemente porque, embora os deficientes, de modo geral, estejam a cada dia conquistando espaço maior na sociedade, as pessoas não estão preparadas para lidar com o novo. Ora, deficientes visuais sempre existiram. Aliás, a deficiência, não é um surto epidemiológico que invadiu as cidades há pouco tempo. Mas  as políticas de inclusão (as quais tenho dúvidas sobre a quem desejam de fato beneficiar), tornaram comum a presença de pessoas com alguma deficiência. O fato é que isso é muito positivo para todos.
Se o seu olho pode ver, use-o para enxergar além da retina do olho que não pode. Quem não enxerga com os olhos, enxerga com alma. O cego sente sua presença não porque desenvolveu uma habilidade especial, mas porque a necessidade o fez perceber além de um sentido. Tem uma música, dos Engenheiros do Hawaii que diz que toda vez que falta luz, o invisível nos salta aos olhos. E é assim que eu percebo o cego.
Jamais ignore a presença de um deficiente visual. Ele está ali, escutando você e tem vontades próprias. Uma queixa de muitos deficientes que li em sites sobre comportamentos é que quando saem em companhia de alguém, as pessoas referem-se ao acompanhante, ignorando o cego. Perguntas do tipo “o que ele quer comer?” “qual o estilo de roupa que ele prefere?”... Pessoas assim mereciam ouvir uma resposta bem ensaiada. Se eu fosse cega ou acompanhante de um, não ficaria calada.
Outra coisa também revoltante é quando na despretensiosa intenção de ajudar, alguém segura o braço de um cego direcionando por onde ele deve ir, onde ele deve sentar... Quando a gente para e observa essas coisas, percebe como existem motivos de sobra para uma revolta, uma mágoa do ser humano. Mas, o que se percebe na prática, são pessoas com uma sensibilidade capaz de entender a ignorância e o preconceito de quem não sabe lidar com eles. Além disso, uma paciência sem deficiência para aceitar certas atitudes.
Uma preocupação salutar está no fato de adaptar o vocabulário para conversar com os cegos. Devo ou não usar expressões como “veja bem”, “você viu isso?”, “olha quem apareceu”... Do mesmo modo, expressões como “advinha quem chegou”, “sabe quem está aqui?”... Situações constrangedoras, de fato, mas que podem ser percebidas por contextos diferentes.
Quando se está ministrando uma aula e o professor pergunta se um cego consegue visualizar determinada situação, está assumindo que o vê como um ser humano igual ao outro. Quando as coisas fluem com naturalidade, soam melhor do que quando são forçadas. Ficar medindo as palavras, procurando expressões que você nunca usa, mas se vê obrigado por estar diante de alguém diferente, só vai dificultar o relacionamento. Aprenda a substituir sorrisos por apertos de mão.
Do mesmo modo, evite situações de joguinhos para apresentar uma terceira pessoa ao deficiente visual. Seja direto e diga quem está lá. Não entenda que sua ajuda é muito essencial para um cego. Ele pode precisar de sua ajuda do mesmo modo que, em outra situação, ele pode ajudar você. Não recuse ajuda de um semelhante. Não o menospreze pela sua deficiência.
Pessoas cegas, não precisam de sua pena. Não precisam que você diga o que ela pode ou não fazer. A cegueira visual é inferior à deficiência de quem discrimina um semelhante. O melhor meio para inclusão é olhar com igualdade e considerar as dificuldades do deficiente sob o ponto de vista que todos nós temos alguma limitação. A do cego é visual. E que a nossa, não seja o preconceito.


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