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domingo, 7 de março de 2021

BREVE ANÁLISE FILOSÓFICA SOBRE O CONSUMO DE ÁLCOOL E DAS PAIXÕES: O BANQUETE DE PLATÃO

No início do livro O Banquete de Platão, os presentes discutem sobre a ingestão de vinho, pois muito tinham exagerado na noite anterior e alguns ainda estavam ressacados. 

O Banquete de Platão -  Anselm Feuerbach (1873)

Eriximaco supõe que sob aquela condição, nenhum dos presentes estaria disposto a beber muito vinho e acrescenta que pela prática da medicina aprendeu que a embriaguez é um mal terrível para os homens, aconselhando aos demais que não bebessem. Após discussões, chegam ao consenso de que cada um faria o que lhe parecesse mais conveniente. Sobre isto percebemos como são insistentes as paixões humanas. Não por acaso tornam-se viciosas e aos poucos vão corrompendo um a um que delas se embriagam. 

O eros é muito importante nos estudos socráticos. O erótico está ligado à busca pelo desejo de potência pela satisfação em amar e embriagar-se nas paixões externas que podem nos suprir o prazer. Em Platão entendemos que ao direcionar o eros ao exterior estamos idealizando o que podemos consumir e, portanto, não somos capazes de ver o real. Muitas vezes ao reconhecer o real deixamos de desejar. Noutras insistimos em viver uma realidade ideal na qual só os prazeres imediatos são supridos sem que as consequências do depois sejam consideradas.

Assim o é com o álcool, com a comida, com o dinheiro, os bens e, infelizmente, com nossos semelhantes. Consumimos nossos semelhantes como objetos de nossos desejos. Como meios para conquista de nossos fins. A socióloga e filosofa, Jéssica Miranda, adverte sobre a ilusão de possuir o outro. A lógica capitalista nos aliena a viver consumindo sempre mais sob a falácia de que seremos mais. Maquiavel nunca esteve tão presente num sistema no qual "os fins justificam os meios". Porém, pessoas não são meios. "Pessoas são fins em si mesmas" (MIRANDA, 2020).

Todo excesso pressupõe uma falta, algo em nós não preenchido que nos incita a comportamentos muitas vezes autodestrutivos e é preciso estar atento ao menor sinal. A perversidade do sistema capitalista alimenta a ideia de que podemos ser pelo ter. Meras ilusões de uma lógica de satisfação temporária e fluida. 

Flertamos com os excessos para suprir uma falta. Desejamos as coisas erradas, perseguimos as causas mais tolas. Na busca pela satisfação, olhamos para o abismo e, como diria Nietzsche, quando se olha muito para um abismo, o abismo olha para você. 

Hellen Taynan

domingo, 27 de dezembro de 2015

E SE ARREPENDIMENTO MATASSE?

Oi
Hoje estou aqui, após um longo tempo, para falar mais uma vez de minhas observações. A cada dia que passa, atesto como o mundo é mesmo um baile de máscaras onde cada um usa aquela que lhe convém. Longe de mim atirar a primeira pedra, nem a segunda ou a última. Sou tão hipócrita quanto os que fazem isso, até porque um dia devo ter feito e que o bom senso me livre de fazer outro dia. Mas o que é 'isso' a que eu me refiro? Vamos lá!

O mundo, a vida, as experiências, os traumas, a presença de alguma entidade ou divindade em sua vida... Seja qual for a força, todos estamos sujeitos a arrependimentos por algo que fizemos. Ainda que tenha sido a nossa própria vida. Explico. Alguém que foi tido como um filho mau e que maltratou os seus pais, pode se arrepender em algum momento e mudar seu comportamento. Alguém que foi cristão e hoje é muçulmano e olha pro seu passado acreditando que foi um erro, que foi tempo perdido e se arrependeu. Alguém que teve relacionamento homoafetivo e hoje constituiu uma família ao lado de alguém do sexo oposto e se arrepende do seu passado... Ou o contrário também, claro! Alguém que foi muito oprimido em um relacionamento heteroafetivo e hoje é feliz ao lado de alguém do mesmo sexo e se pergunta: como foi possível perder tanto tempo?

Enfim! Inúmeras situações ocorrem na vida de todo mundo em todo o tempo e são passíveis de serem revertidas. A vida dá essa chance, o mundo dá essa chance. Até Deus garante salvação aos que se arrependeram... E, por isso, em questão última: o arrependimento é DIVINO (e necessário) para as religiões, seitas e até estilos de vida.

Mas, porém, contudo, todavia, entretanto... Que dizer das pessoas que não se contentam com o arrependimento e não têm capacidade de assumir o que elas achavam errado em sua prática como uma responsabilidade delas? Particularmente, algo que me incomoda demais é a transferência de responsabilidade a outrem de algo que você praticou. Assim, nada impede que eu um dia tenha defendido o PT e votado no Lula 2x e em Dilma 1x. Nada me impede também de dizer que hoje eu não votaria, que não votei na última eleição e que desacredito do partido. Me sinto traída pela ideologia que um dia defendi, porém é diferente de dizer, por exemplo, que
nunca fui pró-governo, eu fui influenciada pelo meio que eu estava a declarar isso, sob pena de não ser aceita

Outro exemplo, ainda mais simples, se eu bati no copo e quebrei, EU QUEBREI O COPO! Não foi o copo que quebrou. Entenderam a questão?

Explicando ainda mais, porque se alguém faz isso, simplesmente pare! Eu posso ter tido um, dez, mil, dez mil relacionamentos homoafetivos e pode ter sido muito bom aos meus olhos na época. Mas hoje, eu me arrependo. Sou uma mulher Hétero com H maiúsculo, casada, tenho filhos e sou católica apostólica romana, faço novena, trezena e me chicoteio quando peco. Olha só! Então eu olho para trás e digo
Nunca gostei de beijar outra mulher. Mas eu precisava fazer isso para ser aceita no grupo. Tinha medo de ser rejeitada.
pausa porque enjoei aqui

Ahhh, vamos combinar, né? Ninguém pode te obrigar a ser bissexual ou petista ou nazista ou roqueira, ou cristã. Se você curtia dançar na boquinha da garrafa e hoje só ouve Led Zeppelin, beleza! Se pra você vale ser a dita cidadã respeitada que trabalha fora, cuida da casa, dos filhos, do marido, vai à igreja acender vela pros santos e aos domingos vai ao zoo dar pipoca aos macacos, entenda que foi uma mudança sua, motivada por suas experiências, vivências e traumas. Pelo arrependimento mesmo!

Seja forte o suficiente para dizer que fez e se arrependeu e hoje não faria mais. Não transfira a responsabilidade do que fez ao grupo que pertenceu um dia. Não cuspa no prato que comeu, pois um dia poderá ter fome novamente. Se você é mentalmente capaz, nem mesmo amigos que se drogam, conseguem te convencer a se drogar. Eu já estive presente em grupos de amigos onde alguns se drogavam e eu nunca experimentei nada. Do mesmo modo, se aquilo me incomoda, eu estou com os pés desamarrados para sair.

Não, doce criança... Nunca se iluda! Saiba que o grupo a que você pertence hoje, pode te decepcionar tanto ou mais do que aquele que você julga ter sido tão perverso com você. E a vida é tão sarcástica com quem não aprende com os erros que é capaz de te dar outra chance de se arrepender, pra ver você abrir a boca e dizer, mais uma vez, que foi vítima de uma lavagem cerebral e agora se curou.

Curou, mas ficou sequelas.

Curou, mas não importa o que você faça seu arrependimento não mata seu passado e as escolhas que você fez. Apenas se arrependimento matasse, você seria capaz de matar a sua história.

quinta-feira, 12 de março de 2015

BREVE QUESTÃO SOBRE A CULPA

Demagogias à parte, muitas vezes uma dose de irresponsabilidade é necessária para sua sobrevivência.


O discurso de assumir a culpa e atribuir o seu mal a você mesmo, nem sempre é demonstração de grandeza de caráter. Em muitos casos, a busca pelo altruísmo extremo faz com que todos sejam mais importantes que você. Mas quando você será importante para todos? Ou para alguém, ou até para você mesmo? A resposta é concisa: você se tornará importante quando desviar o olhar de compaixão para o mundo e olhar um pouco para si.
É um tanto perigoso defender essa postura, mas acredito na capacidade de discernimento dos que me leem. Vou me esforçar para ser o mais didática possível.
A nossa sociedade foi educada em uma argumentação até metafísica que tende a uma autopunição pelos erros dela e dos outros. É visto como nobre aquele que assume suas falhas. E de fato, é. A questão aqui não é incentivar você a se tornar um estúpido que não reconhece seu próprio erro. Não! O que acontece é que a cultura das pessoas foi tão voltada a um coletivismo em assumir a culpa por tudo, que estes mesmos nobres que assumem seus erros, padecem pela dificuldade em reconhecer quando o erro não é seu.
Quem assume um erro que não é seu, sofre em dobro. Além disso, serve-se de sofrimento em doses lentas que vão sendo amargadas por muito tempo. Alguns filósofos levaram tão a sério o culto à irresponsabilidade, a ponto de atribuir a responsabilidade de tudo, como causa última, à figura de Deus.
Algumas correntes de pensamento, atribuem tudo o que hoje existe à divindade que tudo criou. Essa seria a causa última da irresponsabilidade: tudo é culpa de Deus e livre estou de qualquer dolo.
No entanto, se tal qual Kant explicou, a existência é condição absoluta e não se deduz, tudo o mais é passível de dedução. Quem deduz, pensa, quem pensa, responde e quem responde, é premiado com a racionalidade que nos salva do delírio de atribuir a Deus a culpa pelo que fazemos.
Em um plano terreno e concreto, a vida flui bem quando temos a humildade em reconhecer nossos erros e a disposição em pagar por eles. Mas a vida flui melhor ainda quando temos o discernimento em reconhecer que não precisamos nos punir pelo erro dos outros e pelo mal que os outros nos causa. Pois nem sempre a culpa é nossa.
A famosa frase que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional é uma grande falácia! Linda, de fato. Poética, sim! Romântica, sem dúvidas! Falaciosa, logicamente. Apenas um animal irracional sente uma dor e não carrega o sofrimento. Isso porque a dor remete ao material enquanto o sofrimento remete a alma. O sofrimento é uma resposta psicológica a dor. Não é opção. Mas ao culpar a si mesmo todo o tempo encontra-se uma forma de carregar o sofrimento e transformar a frase de Drummond em realidade para nossa vida.
Neste sentido pratique a sabedoria, julgue racionalmente os acontecimentos e dê a cada um a parte que lhe cabe. A sabedoria não consiste em assumir o erro de tudo, mas em preservar a si mesmo quando a responsabilidade dos fatos não lhe cabe mais.
Após um exame minucioso sobre a situação, tome para si a parte que lhe cabe da herança de culpa e não aceite nada além disso. Distribua mentalmente a responsabilidade das partes, olhe para outra e diga:
Nem Deus, nem eu. A culpa é sua, que tem essência humana igual a minha, portanto é tão imperfeito quanto.

Publicado no Jornal de Caruaru