quinta-feira, 12 de março de 2015

BREVE QUESTÃO SOBRE A CULPA

Demagogias à parte, muitas vezes uma dose de irresponsabilidade é necessária para sua sobrevivência.


O discurso de assumir a culpa e atribuir o seu mal a você mesmo, nem sempre é demonstração de grandeza de caráter. Em muitos casos, a busca pelo altruísmo extremo faz com que todos sejam mais importantes que você. Mas quando você será importante para todos? Ou para alguém, ou até para você mesmo? A resposta é concisa: você se tornará importante quando desviar o olhar de compaixão para o mundo e olhar um pouco para si.
É um tanto perigoso defender essa postura, mas acredito na capacidade de discernimento dos que me leem. Vou me esforçar para ser o mais didática possível.
A nossa sociedade foi educada em uma argumentação até metafísica que tende a uma autopunição pelos erros dela e dos outros. É visto como nobre aquele que assume suas falhas. E de fato, é. A questão aqui não é incentivar você a se tornar um estúpido que não reconhece seu próprio erro. Não! O que acontece é que a cultura das pessoas foi tão voltada a um coletivismo em assumir a culpa por tudo, que estes mesmos nobres que assumem seus erros, padecem pela dificuldade em reconhecer quando o erro não é seu.
Quem assume um erro que não é seu, sofre em dobro. Além disso, serve-se de sofrimento em doses lentas que vão sendo amargadas por muito tempo. Alguns filósofos levaram tão a sério o culto à irresponsabilidade, a ponto de atribuir a responsabilidade de tudo, como causa última, à figura de Deus.
Algumas correntes de pensamento, atribuem tudo o que hoje existe à divindade que tudo criou. Essa seria a causa última da irresponsabilidade: tudo é culpa de Deus e livre estou de qualquer dolo.
No entanto, se tal qual Kant explicou, a existência é condição absoluta e não se deduz, tudo o mais é passível de dedução. Quem deduz, pensa, quem pensa, responde e quem responde, é premiado com a racionalidade que nos salva do delírio de atribuir a Deus a culpa pelo que fazemos.
Em um plano terreno e concreto, a vida flui bem quando temos a humildade em reconhecer nossos erros e a disposição em pagar por eles. Mas a vida flui melhor ainda quando temos o discernimento em reconhecer que não precisamos nos punir pelo erro dos outros e pelo mal que os outros nos causa. Pois nem sempre a culpa é nossa.
A famosa frase que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional é uma grande falácia! Linda, de fato. Poética, sim! Romântica, sem dúvidas! Falaciosa, logicamente. Apenas um animal irracional sente uma dor e não carrega o sofrimento. Isso porque a dor remete ao material enquanto o sofrimento remete a alma. O sofrimento é uma resposta psicológica a dor. Não é opção. Mas ao culpar a si mesmo todo o tempo encontra-se uma forma de carregar o sofrimento e transformar a frase de Drummond em realidade para nossa vida.
Neste sentido pratique a sabedoria, julgue racionalmente os acontecimentos e dê a cada um a parte que lhe cabe. A sabedoria não consiste em assumir o erro de tudo, mas em preservar a si mesmo quando a responsabilidade dos fatos não lhe cabe mais.
Após um exame minucioso sobre a situação, tome para si a parte que lhe cabe da herança de culpa e não aceite nada além disso. Distribua mentalmente a responsabilidade das partes, olhe para outra e diga:
Nem Deus, nem eu. A culpa é sua, que tem essência humana igual a minha, portanto é tão imperfeito quanto.

Publicado no Jornal de Caruaru

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