No início do livro O Banquete de Platão, os presentes discutem sobre a ingestão de vinho, pois muito tinham exagerado na noite anterior e alguns ainda estavam ressacados.
O Banquete de Platão - Anselm Feuerbach (1873) |
Eriximaco supõe que sob aquela condição, nenhum dos presentes estaria disposto a beber muito vinho e acrescenta que pela prática da medicina aprendeu que a embriaguez é um mal terrível para os homens, aconselhando aos demais que não bebessem. Após discussões, chegam ao consenso de que cada um faria o que lhe parecesse mais conveniente. Sobre isto percebemos como são insistentes as paixões humanas. Não por acaso tornam-se viciosas e aos poucos vão corrompendo um a um que delas se embriagam.
O eros é muito importante nos estudos socráticos. O erótico está ligado à busca pelo desejo de potência pela satisfação em amar e embriagar-se nas paixões externas que podem nos suprir o prazer. Em Platão entendemos que ao direcionar o eros ao exterior estamos idealizando o que podemos consumir e, portanto, não somos capazes de ver o real. Muitas vezes ao reconhecer o real deixamos de desejar. Noutras insistimos em viver uma realidade ideal na qual só os prazeres imediatos são supridos sem que as consequências do depois sejam consideradas.
Assim o é com o álcool, com a comida, com o dinheiro, os bens e, infelizmente, com nossos semelhantes. Consumimos nossos semelhantes como objetos de nossos desejos. Como meios para conquista de nossos fins. A socióloga e filosofa, Jéssica Miranda, adverte sobre a ilusão de possuir o outro. A lógica capitalista nos aliena a viver consumindo sempre mais sob a falácia de que seremos mais. Maquiavel nunca esteve tão presente num sistema no qual "os fins justificam os meios". Porém, pessoas não são meios. "Pessoas são fins em si mesmas" (MIRANDA, 2020).
Todo excesso pressupõe uma falta, algo em nós não preenchido que nos incita a comportamentos muitas vezes autodestrutivos e é preciso estar atento ao menor sinal. A perversidade do sistema capitalista alimenta a ideia de que podemos ser pelo ter. Meras ilusões de uma lógica de satisfação temporária e fluida.
Flertamos com os excessos para suprir uma falta. Desejamos as coisas erradas, perseguimos as causas mais tolas. Na busca pela satisfação, olhamos para o abismo e, como diria Nietzsche, quando se olha muito para um abismo, o abismo olha para você.
Hellen Taynan