quinta-feira, 23 de junho de 2016

QUEM É O SAFADÃO?

Na semana em que uma banda representando o forró autêntico que marcou a construção histórica e cultural do povo de Pernambuco consegue, por aclamação popular, estar dentre os finalistas de um dos programas mais cobiçados por artistas de todo o Brasil, o feed de notícias do facebook evidencia que não é bem esse o foco de discussão dos caruaruenses.

É sabido, desde a biologia, que aquilo que não se alimenta não se desenvolve. Eis aí um dos motivos para que os artistas locais estejam vivenciando um processo de desnutrição forçado pela omissão das autoridades que ao que parecem, não estão dispostas a alimentar o desenvolvimento ou a manutenção desta cultura. 

Há seis anos eu deixei Caruaru. O orgulho que sinto de minha cidade e do meu estado carrego comigo onde estou. Muitas vezes abro o armário e experimento algumas roupas. Após estar beirando o desespero, porque não me agradei de nenhuma (tem dias que é assim), eu visto a camisa com a bandeira de Pernambuco. Não como última opção, mas como certeza de se um dia eu olhar no espelho e achar que não está bom, é melhor eu nem sair de casa, porque eu é quem não estou. E esse é o nível do meu orgulho. O sotaque, o futebol, a música, o cordel, o Auto do Moura, os amigos de sempre. 

O que acontece hoje com o São João de Caruaru não deve ser nem de longe motivo de vergonha do povo caruaruense. Lembrem que qualquer lugar pode ter a maior festa do mundo, se tiver como prioridade o investimento nessa festa. O São João de Caruaru e o de todos, perde o sentido de patrimônio cultural, quando a cultura local não é o patrimônio desse lugar. O que se lamenta, e isso é certo, é que os artistas locais que foram os responsáveis pela disseminação de uma cultura rica (não de dinheiro, mas de valor), hoje sejam esquecidos. Estejam negligenciados porque perderam lugar à mesa para novos famintos que acharam por bem alimentar-se de outros pratos.

Só se desenvolve aquilo que se alimenta. Não é absurdo pagar um cachê milionário a um artista da moda e recompensar com os 10%, o artista da terra. Absurdo é criticar isso no facebook e no dia do show do famosão ir ao evento e aplaudir a cena. Absurdo é pagar para ir a um show de uma banda famosa e ficar impaciente para que a banda local que abre o show termine logo, porque você não pagou para ver eles e sim a atração principal. Absurdo é ser afiado na língua e cego na ação, porque se perde no caminho e ainda critica os outros porque errou.

Agora seja honesto e responda a si mesmo: se a prefeitura de Caruaru colocasse em seu palco principal no dia 25, um trio pé de serra. Daqueles formados por três senhores, de português deficiente, de chapéu de couro e sandália de feira, o Pátio de Eventos estaria lotado? Você vestiria sua melhor roupa, usaria seu melhor perfume, subiria num salto alto para prestigiar esse show? Ah, talvez esteja um pouco nublado e você não vai com medo da chuva. No dia seguinte a manchete:
"Chuva afasta o público do Pátio de Eventos, que ficou deserto na apresentação do Trio pé de serra".
No entanto, com o show que se aproxima dia 25, ainda que chova granizo, a manchete será algo no tom:
"A chuva não intimida e o público caruaruense lota o Pátio de Eventos em mais um show na noite de ontem".

Acredito que a aclamação da banda Fulô de Mandacaru mais do que bairrismo, é uma resposta acerca do que o público quer ouvir. Contudo, tenho dúvidas que, se não fosse a repercussão na atração global, esses artistas talentosíssimos que compõem banda, tivessem unido o povo em orquestra pelo seu nome. No entanto, devemos trabalhar com evidências e os fatos estão aí para quem quiser ver: um coral uníssono em todo o Brasil votando para eleger a banda como a melhor desta edição.

Só se desenvolve aquilo que se alimenta. Vamos alimentar o que queremos ver florescer. Ainda que a prefeitura se cale, o artista vai onde o povo está. Logo, se a prefeitura não fornece o alimento, sejamos você e eu o mantenedor dessa cultura. Enquanto não fizermos isso, a nossa construção histórica e cultural continuará afundando e assistimos inertes chamando Safadão, o prato do cardápio, quando quem dele se serve somos nós.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem escrito! Lúcido!! Cultura tradicional e modernidade à primeira vista, parecem ocupar um submundo, parece não ser politicamente correto fazer tal distinção. Forró pé de serra, banda de pífanos, xote, xaxado e baião morreram!!! Agora tudo é techno(?), tudo é safadão!! Pobreza musical virou forró universitário, mediocridade virou cultura chic, sertanejo virou contra cultura. Mas, afinal de contas quem é mesmo Jackson do Pandeiro, Luis Gonzaga, Dominguinhos, Flávio José? Afinal, quem é safadinho, safado, ou safadão?? Pau na jaca Taynan!!! Ser jovem, ser moderno, ser pós-moderno, não implica em necessariamente, ser estúpido ou safadão.

JOELSON GOMES disse...

Se não fosse a mídia a banda que ganhou o programa continuaria anônima como era a 06 meses atrás. Será que eles surgiram para o programa da Globo, por que ninguém falava neles antes da moda? O mal gosto e a falta de personalidade parecem ser endêmicos.