domingo, 29 de junho de 2014

Ainda bem que elas existem

Por muito tempo em minha vida, eu ví o ato de escrever à luz de Olavo Bilac em sua "Profissão de Fé". 
Escrever e imitar o ourives, torcendo, aprimorando, alteando, limando a frase e engastando no verso de ouro a rima, leva à perfeição parnasiana, de estrofes metricamente elaboradas e sonoridades agradáveis. Mas então eu me deparo com a inexorabilidade da vida. 
É tudo tão complexo e tão abstrato. 
É tudo tão imperfeito, improvável e irreal. 
Um mundo construído por assimetrias onde todo o encaixe perfeito é moldado para aquilo que é estático. Um mundo habitado por seres racionais e limitados, onde todos começam e terminam. 
Uma vida breve, desconexa e nunca in natura. 
Essas evidências, levam-me a perceber que a perfeição poética é um estado possível de imaginar e impossível de alcançar. 
De tal modo, porque deveria eu imitar um ourives para buscar transcender o que já é sublime? 
Deixa que eu imite uma criança que aprendeu a andar torto, que não completa as palavras, que se lambuza ao comer e não controla seus impulsos. 
Por que poesia é sentimento e sentimentos são confusos.
Lapidar demais a letra, conduz à perfeição gráfica, mas estraga o sentimento. 
Se o homem não pode ser in natura em sua essência; 
se carregamos em nossos ombros as marcas dos antepassados, sejamos in natura ao menos no sentir.
O sentir conduz à liberdade. 
O viver do homem é limitado, não pelo que ele não pode fazer, mas pelo que ele não pode pensar.
Penso, logo escrevo, e faço isso sem nenhuma perícia. 
Abandono o estilo e pactuo com o sentimento. 
Eu amo escrever. 
Não pela riqueza e perfeição da língua, mas porque ela me aproxima de quem consegue ler além do que está escrito.
Ainda bem que elas foram criadas.
Ai de mim, se não fossem elas!
Ainda bem que existem as palavras!

Hellen Taynan - 29/06/14 - 15:18

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